
DE FRENTE PRO ESPELHO
by Ivana Lopes
Em pé de frente pro espelho me olho e não me reconheço mais.
Meu seio direito operado, na verdade retirado, está envolto em curativos.
Mesmo por debaixo da roupa vejo que é muito menor do que o outro que ficou.
O quarto está na penumbra, na casa todos dormem, menos eu.
Quem é essa pessoa que me olha do espelho? Quem sou eu agora?
Eu não sei. O mundo continua igual, a vida continua igual lá fora.
Dentro de mim tudo mudou.
As dores do primeiro dia, o medo, a angústia das primeiras horas, tudo passou.
Os meses foram passando e eu fui mudando, mas dessa vez só por dentro.
Aos poucos fui me olhando no espelho e me reconhecendo
A mulher que me olha hoje do espelho não é mais a mesma, nunca mais será...
Ela cresceu, se transformou, se transforma todo dia
No corpo, por aquela presença vazia
pelo seio que já não existe
Ela não se permite ficar triste pra sempre
Aprendeu a ver além do espelho
Aprendeu a se amar do modo que é hoje
Ela só perdeu uma parte, mas ganhou muito mais
Ganhou uma segunda chance
Ganhou o direito de viver
Pra finalmente ser... mais feliz do que antes.

URGÊNCIAS
by Ivana Lopes
A solidão dos dias que se vão,
Dos amigos que passaram e que não voltarão
Dos que amamos e que já não estão
Dos que acreditamos serem nossos e que não são
Das verdades que imaginávamos e que findaram
Das mentiras encobertas e que naufragaram
A luz que vem à tona ilumina mas não povoa
O espaço que está vazio
O caminho que se abre é tortuoso, incerto
Mas estamos vivos e é isso que importa
Desde o início era assim
Podíamos contar conosco
Qual será a resposta quando tudo chegar ao final?
Difícil dizer, porque a pergunta certa nem foi feita ainda
O tempo ainda está desenhando o roteiro de cada um
E estamos encenando nossas vidas,
Todos ao mesmo tempo.
Alguns estão se saindo muito bem, outros não
Mas ninguém ensaiou e é tudo de improviso
Algumas cenas provocam riso
O espetáculo é longo
Alguns se retiram mais cedo outro ficam por mais tempo
Por alguns momentos tudo faz sentido
Mas na maior parte do tempo tateamos no escuro
Os dias nunca vão parar de nascer
As noites sempre vão chegar
Só os atores vem e vão
As cortinas nunca vão parar de se abrir
Mas pra cada um de nós um dia vão se fechar
Enquanto ainda estamos em cena continuemos então
No grande espetáculo chamado vida