top of page
Pessoa rolamento mala no aeroporto

O FIM...UM NOVO COMEÇO

             Ela estava cansada, triste. Exaurida. Tinha sido um dia difícil, havia tanto trabalho, tinha sido um dia quente, muito quente.  Cansada e triste assim ela chegou em casa. Ele estava indiferente. Como sempre. Frio, distante como sempre. Ela era o próprio calor, queimando em labaredas. Ele o gelo, derretendo qualquer emoção possível que viesse dela. O calor sensível dela impenetrável naquele gelo todo de falta de afeto, sem emoção, seco. Nada havia nele. Nenhum gesto gentil, nenhuma palavra. Como um grande deserto de gelo impenetrável, inóspito. Onde a vida não conseguiria se manter sem congelar também.

              Como dois opostos puderam conviver por tanto tempo? Uma das muitas perguntas sem resposta. 

Ela buscava todos os dias razões para continuar, para sentir esperanças. Não havia nenhuma.

Enquanto ele tomava um banho ela se sentou no computador, alheia, procurando algo para se distrair. Passar o tempo. O relógio da sala marcando horas infinitas, de enfado, abandono, solidão. Dizem que solidão a dois é a pior solidão. 

      Naquela semana já tivera provas de que aquilo não poderia continuar. "Aquilo" era o seu relacionamento. Longo, desgastado, triste. Que fazia sofrer. 

         Ele saiu do banho sem olhar pra ela, como se não houvesse mais ninguém ali. Ligou o rádio e começou a lavar os pratos. Distraído, indiferente. Ela pensou no que sabia, no que agora era uma triste certeza. Pensou que tinha duas opções, a primeira permanecer assim como estava, o resto da vida, triste, sozinha e infeliz, sentindo o gelo dele queimar sua alma por dentro, fazendo-a se sentir pequena e sem valor pra sempre ou se dar uma nova chance, a chance de buscar ser um pouco mais feliz do que aquilo. Pelo menos tentar. Aparentemente não era uma escolha difícil, aparentemente. Mas quando se está escravizada a uma vida pequena, sem esperança, não é fácil encontrar forças pra romper esse ciclo vicioso. 

            Ela encontrou essa força na própria desesperança do relacionamento esgotado, como uma dona de casa que olha pra suas verduras e frutas na geladeira que eram verdes, coloridas, cheias de vida quando ela as colocou ali e agora, murcharam, perderam o viço porque foram esquecidas por tempo demais no frio do refrigerador. Estão totalmente perdidas, só resta irem para o lixo. Ou então a decisão que se toma de resistir e dar um salto quando se está na beira do precipício, como num daqueles filmes de ação. Ou pulamos sobre o abismo e tentamos nos salvar ou cairemos nele. Ela tomou a única decisão possível. Foi até a cozinha e disse calma e controladamente que queria que ele partisse, logo de manhã pegasse suas coisas e fosse embora.

          Na manhã seguinte, quando ela acordou pode ouvir o som do carro saindo. Não houve despedidas. Palavras. Nada. Frio e indiferente ele partiu.

          Ela sentiu seu coração quente, um pouco assustado. Mas pensou, não é um fim mas o recomeço de uma nova vida. Olhou o dia, tomou seu café e foi trabalhar. Caminhando, entrou no ônibus. Lá fora a vida parecia igual. Mas tudo era diferente agora.

Pessoa menina mulher verão

 A Flor da Tarde 

    Um dia eu me dei um tempo. Parei tudo que estava fazendo, o que estava vivendo. A estrada era longa, e olhando pra frente, não via aonde ela me levaria, então sentei na beira do caminho, observando. Olhando pra dentro, olhando ao redor, mas de dentro do meu castelo, fechadas as portas, cerradas as janelas.

   Tive longas conversas com meus botões, reguei minhas flores, cuidei do jardim. Observei as árvores que crescem no meu quintal. Acordei de manhã com o som dos pássaros que fazem ninhos nas minhas árvores e depois comem os frutos delas, revoam barulhentos pela manhã e vão ganhar os céus. Voltam ao anoitecer e silenciam nos galhos.

     Ando pela minha casa seguida pelo meu cão, amigo fiel e tranquilo, que me olha com olhar sincero.

   Ainda não voltei para a estrada, ela está lá. Comprida, sem fim. Eu continuo aqui, aprendendo com os insetos que caminham pelas roseiras, as pequenas formigas, obstinadas, teimosas, operárias e disciplinadas.

    Quando chega a tardinha tomo chá, sento a mesa com os pés descalços, a casa em silêncio, a brisa passando por toda ela, agora de portas abertas. Leio um livro, depois esqueço dele e fico de olhos fechados, durmo na poltrona macia, sonho com anjos de outro tempo. Acordo com o som dos pássaros que vieram dormir nas minhas árvores.            Amanhã será o infinito. Hoje é apenas aqui. Um lugar, um tempo.

ALMA

AMO COM O MAIS INFINITO AMOR. AMO COM MINHA ALMA TUDO O QUE VIVE, MINHA ALMA SOBREVOA O MUNDO E ABSORVO TUDO QUE ESTÁ SOBRE A TERRA, AS FLORES, AS ERVAS, AS VERDURAS , TODAS AS BELEZAS.

SOBREVOO NO ALTO DAS NUVENS, ACIMA DOS PÁSSAROS, ENQUANTO ELES VOAM LIVRES, MINHA ALMA OS OBSERVA E SENTE AMOR. E QUANDO ANOITECE E O CÉU SE ENCHE DE ESTRELAS QUE BRILHAM, EU DANÇO E BRILHO COM ELAS, FAZEMOS UMA GRANDE CIRANDA E DANÇAMOS ATÉ QUE O DIA NASÇA E TUDO FIQUE CLARO. ENTÃO DESÇO ATÉ A TERRA E VEJO OS HOMENS EM SUA LOUCA CAMINHADA PELO MUNDO. VEJO SUAS GUERRAS, SUA INSANIDADE, SEU EGOÍSMO, SUA MALDADE E ISSO ME ENTRISTECE. ENTÃO PROCURO OS QUE NÃO SÃO ASSIM, E EU OS ENCONTRO, ESTÃO POR TODA PARTE, EMBORA NÃO PAREÇA.

ENTÃO EU PROCURO A PARTE MAIS BONITA DA HUMANIDADE, E EU AS ENCONTRO: AS CRIANÇAS. E ELAS ESTÃO LÁ BRINCANDO E CORRENDO E SENDO CRIANÇAS. MAS TAMBÉM ENCONTRO MUITAS QUE NÃO ESTÃO FELIZES, MUITAS QUE NÃO COMEM, QUE NÃO BRINCAM, QUE MORREM. ENTÃO EU FICO TRISTE.

DEPOIS DISSO EU BUSCO AS FLORESTAS, OS ANIMAIS GRANDES E PEQUENOS E OS OBSERVO, LIVRES ENTRE AS MATAS. SÃO TÃO BONITOS. MINHA ALMA SE ENCHE DE AMOR, AMOR VERDADEIRO E GENUÍNO. MAS NOVAMENTE PERCEBO QUE EXISTEM MENOS FLORESTAS, EXISTEM MENOS ANIMAIS DO QUE DEVERIA EXISTIR. E MINHA ALMA SE ENCHE DE TRISTEZA. CONTINUO AINDA PERCORRENDO CADA ESPAÇO, CADA LUGAR DESTE MUNDO, VEJO DO ALTO, MINHA ALMA REFLETIDA NOS RIOS, NOS LAGOS E NO IMENSO OCEANO, E ME ENCHO DE AMOR PELA BELEZA DO MUNDO.

MINHA ALMA VOA, VOA MUITO POR TODA PARTE, VAI ATÉ O GELO, VOLTA ATÉ O CALOR. SEMPRE EM BUSCA DE MAIS AMOR, E DE MAIS AMAR.

MINHA ALMA É INFINITA, SEM TEMPO E NEM LUGAR. VIVEREI EM TODA PARTE, ONDE EU POSSA AMAR.

VENDO O MUNDO DE CIMA PARECE UM GRANDE QUEBRA CABEÇAS, E É CURIOSO QUE EM TODA PARTE, UNS SE EMPENHAM EM MONTAR, CONTRUIR, OUTROS SE OCUPAM SÓ DE DESMONTAR, DESTRUIR, ALGUNS NADA FAZEM, E OUTROS SÓ VIVEM A SONHAR. E O QUE CADA UM FAZ REFLETE EM TODO LUGAR, E EM TUDO QUE VIVE, MAS PARA ENTENDER ISSO, ÀS VEZES, É PRECISO VOAR, VER TUDO DE CIMA, PERCEBER A IMPORTÂNCIA DE TUDO, É PRECISO SER A ALMA E VIVER PARA AMAR.

Menina e pintinho

MENINA

Vejo a menina loira de pés no chão

a brincar no quintal com as flores e seus brinquedos

A brincar de bola com seu cão

Vejo o passado e a estrada longa até aqui

Vejo a menina que foi caminhando por ela,

vejo a mim mesma em seu início.

Ao longo do tempo, com seus segredos, hoje desvendados

A menina que de alegre, muitas vezes se fez triste

Caminha sempre dentro de mim

Onde ela ainda existe.

Quantas coisas viste menina!

Quantas.

Quantas belezas e quantas tristezas testemunhaste.

A senhora que sou agora ainda te carrega no coração.

E tu olhas para a vida pelos meus olhos

Suas janelas

E teu espanto é tão grande

Porque o mundo, apesar de bonito

Não é o que esperavas

Para além daquele quintal onde brincavas

inocente, há tanta gente

Tantas coisas que você, na sua pureza, nunca imaginou

Mas segues comigo e às vezes em sonho

Quando me ponho triste, tu me tomas pela mão e vai me mostrar o botão de flor

Que descobriste no jardim e me sorri inocente

Então acordo e sigo em frente te guardando com carinho no coração

de onde em tua pureza nunca saíste.

Janela de armação de madeira

JANELAS PARA O CÉU

Era 14 de agosto de 1983, um domingo Dia dos Pais, como esse domingo que se aproxima. Trinta e nove anos se passaram, e desde então estas duas datas, a da partida de minha mãe, e o dia deste pai, tão querido e presente, se juntaram. Uma combinação estranha, mas que merecerá sempre homenagens e minhas lembranças. Este ano minha homenagem será diferente das anteriores. Não será sobre a dor de perder sem aviso uma mãe tão amada e ainda jovem, nem será sobre as qualidades dela e dele, um pai, desde sempre meu amigo, também como eu, amante dos livros, e sabedor da grande importância que a educação tem na vida das pessoas. Não, desta vez é o amor deles o destaque.

Num fim de tarde depois do trabalho, enquanto voltava pra casa, muitos, muitos anos atrás, minha mãe conheceu meu pai. Um simpático rapaz que puxou conversa e lhe ofereceu uma bala. Eram outros tempos, sem os perigos de hoje, e aquela moça bonita sorriu e aceitou a bala e a companhia até em casa, se despediram no portão sob os olhares atentos de minha avó, e as devidas apresentações. Depois disso todos os dias ele a esperava na volta do trabalho, se tornaram namorados. O tempo passou e os planos de casamento vieram, mas primeiro precisavam ter um lar só deles. Então ela pegou as economias que juntara por anos de trabalho e deu a ele para comprarem um terreno. O que ele fez em poucos dias, depois ele mesmo desenhou a casa dos sonhos dele e dela, ainda tenho este desenho. Uma casa simples, com duas janelas, uma para o jardim que ela faria e outra para o quintal onde ele plantaria as árvores de frutas. Uma escada que levava à porta da frente. Planta e desejos desenhados no papel, foi então o momento de por a mão na massa. Foram longos oito anos, até ficar pronta a casa, faltava dinheiro para ir mais depressa, mas não faltava amor nem a vontade de viverem juntos. Todas as tardes depois do trabalho ele mesmo erguia as paredes, fazia o alicerce, aos finais de semana, eles trabalhavam juntos. Com tudo pronto se casaram, ela estava linda neste dia e ele muito elegante. Se mudaram para aquela casa, e era lindo ver o jardim que ela fez ali, tantas flores, dálias, margaridas, roseiras. No quintal pés de laranja, pêssego e limoeiros. Tinham enfim um lar. Uma linda história de amor, a história de amor de meus pais, que foi interrompida com a morte dela. Quando meu pai, entristecido, se referia a ela, dizia da falta que sentia, que ele vivia no seu céu, que era aquela casa, e que ela vivia agora em outro céu. Eu penso que havia entre eles uma ligação tão forte e bonita como se houvessem ali verdadeiras janelas para o céu, onde eles em pensamento se encontravam, e o céu de cada um, o terreno e o eterno se juntavam.

bottom of page