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Pesquisar e escrever

CARTAS A MEU PAI

 - Ivana Lopes -

 

                        Faz tanto tempo não é mesmo? Por isso me veio a ideia de escrever pra você. Escrever cartas é um costume fora de moda hoje em dia. Eu poderia usar um modo mais moderno como o whatsapp, ou algo assim, mas não faria diferença, porque suspeito que no seu atual endereço não cheguem nem o correio e muito menos mensagens de celular. Acontece que nada disso tem importância, afinal estamos tão longe de saber tudo que existe no universo, neste plano e nos demais. A ciência ainda não consegue explicar muita coisa. Há muito por descobrir. Quem pode provar cientificamente que não há comunicação entre este plano e o próximo? Entre esta vida e a próxima? Se existe mesmo a continuação? Perguntas que só a religião pode responder para aqueles que as tem. A ciência nada pode comprovar efetivamente. Por tudo isso que já mencionei, cá estou eu, escrevendo uma cartinha pra você. Esta primeira carta é sobre um dia após a sua viagem.

                    Em seu quarto, sentada na cama eu arrumava suas roupas, dobrando-as e formando pequenas pilhas. Desde as camisas até os agasalhos, incluindo o último que lhe dei poucos meses antes, colorido e quente que você vestiu só algumas vezes e que recebeu com muita alegria no dia dos pais. Seu sorriso me vem a mente quando dobro o casaco. Cada peça tem uma história e cada uma é dobrada enquanto muitas lágrimas escorrem pelo meu rosto. Enfim tudo arrumado, embrulhado para pertencer a outros donos, irão para o Lar de Velhinhos de minha cidade. Seus móveis também já estão doados. Seus sapatos. Tudo.

                      Acabado aquele triste trabalho me sento no chão, olho ao redor. Há um vazio imenso, tão grande que sufoca meu peito, então novamente choro copiosamente. De repente ouço passos que saem do meu quarto, onde dormiam meu marido e meu bebê. Penso, será que fiz barulho? Não queria acordar ninguém. A porta do quarto em que estou está fechada. Os passos que caminham do meu quarto param em frente da porta. Olho pra porta penso que vão entrar. Mas quem estava do lado de fora, desistiu de entrar e caminhou até a cozinha, posso ouvir os passos, o som de sapatos masculinos, passos pesados vão até a porta da cozinha e param.

                        Levanto então do chão, enxugo as lágrimas, vou até a cozinha ver porque meu marido já estava de pé. Na cozinha não há ninguém. A porta continua trancada, vou até meu quarto. Meu bebê dorme tranquilamente, também meu marido. Meu coração dispara. Saio do meu quarto. Entendi. Era você não era? Pai você esteve aqui pela última vez, olhou sua neta, se despediu dela. Ia entrar em seu quarto, mas percebeu que eu estava lá. Não quis me assustar, não quis ser visto. Então caminhou até a cozinha, quem sabe você foi até o quintal se despedir das plantas e árvores que você mesmo plantou.

1ª Carta

foto de rio de socorro.jpg

MÃOS DADAS
Ivana Lopes

Um dia quis andar de mãos dadas, caminhar juntos.

Um dia quis ganhar flores, mas não de qualquer jeito. Quis ganhar flores com carinho.

Um dia quis ouvir palavras suaves. Não qualquer palavra. Mas aquelas ditas com amor.

Um dia quis amizade. Não de qualquer amigo.

Mas de quem andava lado a lado comigo.

Um dia finalmente entendi que nada disso era possível.

Então nesse dia percebi que quando isso acontece é melhor deixar ir.

Como quando tentamos segurar a água, mas ela escorre entre os dedos, por mais que fechemos as mãos.

O segredo é abrir as mãos e deixar a água cair e ela estará livre e nós também e poderemos finalmente sentir o frescor do rio.

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